A evolução dos meios de transporte em Venâncio Aires

Dos cascos de cavalo e trilho das rodas de carretas, até as atuais marcas dos pneus, o trânsito venâncio-airense mudou drasticamente: de calmaria à agitação, do chão batido ao piche do asfalto. Leia a matéria e descubra como aconteceu a evolução nos meios de transporte da Capital do Chimarrão.

 

Nas estradas de chão batido

Remontando ao passado, até 1920, a pacata Venâncio Aires era entremeada de estradas de chão batido, sem muita movimentação - algo muito incomum aos dias atuais.

O "trânsito" da época, ainda sem rótulas e semáforos, continha pessoas a pé, com cavalos ou mulas e com carretas ou carroças. Até mesmo as calçadas eram pouco vistas, mesmo no centro da cidade. Era comum, inclusive, termos próximo ao centro, as casas de pasto e hotelarias que oferecessem, ao invés de garagens, estrebarias para o repouso dos animais. Da mesma forma as selarias e ferrarias eram comuns, devido ao uso direto com os animais de montaria, assim como palanques ou locais para atar os animais à frente de armazéns ou igrejas. 

No entanto, com o tempo, os veículos de motor a combustão integraram cada vez mais a vida dos cidadãos, acelerando a lentidão que habitava esses vales. Pouco a pouco se tornou mais comum o barulho dos motores, circulando pela cidade. Carros particulares, caminhões, ônibus coletivo e autos de praça (hoje chamado de táxi) foram crescendo e apagando os rastros dos animais de montaria e das carroças que aqui passaram. As ruas se adaptaram, as pessoas se acostumaram e a cidade evoluiu sobre rodas motorizadas.

 

As primeiras leis de trânsito

O principal meio de transporte no início do município, tanto para pessoas, mas principalmente para carga. Hoje pode parecer incomum, mas é interessante observar que este meio de transporte possuía um espaço no "Código de Posturas de Venâncio Aires" de 1905, regulamentado pelo então intendente, o coronel Thomaz José Pereira Júnior, uma espécie de legislação municipal. Abaixo, apresenta-se um trecho do artigo 26, que fala sobre os condutores de tração animal, com a escrita da época:

§ 5º. Conduzir vehiculos puchados por cavallos ou bestas a passo accelerado ou dar voltas com os mesmos nos cantos das ruas, a toda força dos animaes.

§ 6º. Ter carreta, carroça ou vehiculo semelhantes parados no meio da rua exceptuados os que forem de serviço de transporte durante o tempo indispensável para carregar ou descarregar.

[...]

§ 11º. Atar às portas, janellas ou aos postos dos lampeões quaesquer animaes ou andar com elles sobre calçadas ou passeios, montados ou não.

[...]

Penas: multas de 20$000 a 50$000 rs. além da obrigação de satisfazer o damno causado e de cumprir o determinado praso que for marcado. Serão também apreheendidos os animaes e vehiculos sobre que passarem as transgressões, e postos em deposito até a satisfação da multa, custas ou mais despezas. 

Notamos que, por mais os carros ainda não haviam chegado, tinha uma organização e legislação no trânsito, preocupando-se com o bem estar e a boa convivência de todos. Interessante notarmos também, que na época, ao invés das preocupações habituais (como cruzar com o sinal fechado, dirigir na contramão ou estacionar na faixa amarela), amarrar os animais nos postes - que ainda eram de lampiões, já que não havia luz elétrica -, "estacionar" carroças no meio da rua e galopar em vias públicas eram passíveis de punção com réis, moeda vigente na época. Entretanto, por maior que seja a diferença com o trânsito atual, vemos algumas semelhanças se compararmos com leis de hoje em dia, veja o comparativo abaixo:

§ 5º. Conduzir vehiculos puchados por cavallos ou bestas a passo accelerado → Dirigir em alta velocidade

§ 6º. Ter carreta, carroça ou vehiculo semelhantes parados no meio da rua exceptuados os que forem de serviço de transporte durante o tempo indispensável para carregar ou descarregar → Parar no meio da rua para alguém descer ou subir no veículo

§ 11º. Atar às portas, janellas ou aos postos dos lampeões quaesquer animaes ou andar com elles sobre calçadas ou passeios, montados ou não → Estacionar na faixa amarela e andar com veículo sobre a calçada

 

Regulamento do Serviço de Veículos

Já em 1926, o "Regulamento do Serviço de Veículos" assinado pelo intendente Thomaz José Pereira Júnior, traz uma reconfiguração no trânsito venâncio-airense, visto que agora, veículos de tração animal e os animais de montaria se uniam aos recém chegados automóveis. Neste regulamento, constava que, enquanto não criassem a Inspetoria de Veículos, o ofício seria do subintendente do 1º distrito, auxiliado pelo fiscal urbano e pelo Guarda Municipal. Veja um trecho do regulamento abaixo:

Art. 2º. - Por ocasião de ser dada a licença, será feita a mtricula do vehiculo com seus caracteristicos principaes, systema de tracçaõ e nome do proprietário, sendo fornecida, então, uma placa com algarismos arábicos, na qual constará o numero de ordem em que foi matriculado o vehiculo. Essa placa será affixada em logar visível indicado pela "Inspectoria de Vehiculos".

Art. 3º. - Todos os vehiculos usarão duas lanternas collocadas lateralmente, as quaes devem estar acesas durante o serviço da noite.

§ 1º. - Os automoveis trarão além dessas, outra lanterna na parte posterior do vehiculo, para iluminar a placa numérica e servir de signal.

Art. 4º. - Os carros de tracção animal usarão nos vidros lateraes da lanterna, o seu numero, feito com tinta carmim e de tamanho visivel.

Art. 5º. - Todos os vehiculos deverão ser munidos de freio de mão ou de pé e de um aparelho sonoro de alarme, que ser á usado nas ocasiões necessárias e nos cruzamentos de ruas, de modo que não o prejudique o socego publico.

Art. 6º. - Os vehiculos de tracção animal serão conduzidos a trote natural dos animais; os movidos a vapor correrão na zona urbana, com a velocidade máxima de 10 kilometros por hora e zona suburbana com a velocidade máxima de 20 kilometros por hora.

[...]

Art. 8º. - Os vehiculos destinados ao transportes de passageiros, serão de trez cathegorias: a) de aluguel; b) particulares; c) officiaes.

É possível notar, neste momento, o surgimento, de forma ainda "primitiva", dos faróis, freios e da placa de identificação do veículo.

Já os veículos de carga, tinham um trecho específico neste conjunto de normas, que continham, dentre tantos requisitos:

  • O peso dos veículos seria regulamentado conforme a força de tração e os declives das ruas, evitando o espancamento dos animas.
  • O proprietário de um veículo de transporte teria que pagar uma tarifa, correndo o risco de perder o veículos.
  • Estacionar com cuidado, afim de não danificar o calçamento.
  • Quando um veículo puxado por bois estivesse parado, teria de haver alguém parado a frente, os vigiando.

 

Carteira de Habilitação

Com tantas novidades no "Regulamento de Serviço de Veículos" de 1926, aparece a necessidade da carteira de motorista, que era de precisão de todos os tipos de veículos, incluindo as carretas e carroças. Veja abaixo, os requisitos para poder se habilitar:

Art. 9º. - Só poderá ser condutor de vehiculos, quem obtiver caderneta de matricula na Intendência Municipal.

§ 2º. - Para obter matricula é necessário que o candidato preencha as seguintes condições:

A) Saiba ler e escrever;

B) Seja maior de 18 anos;

C) Não sofra de moléstia contagiosa ou infecciosa e nem mal que o possa privar subitamente do governo do vehiculo;

D) Tenha visão e audição perfeitas;

E) Não ser dado ao vicio da embriaguez e tenha bom comportamento, attestado por autoridade competente;

(...)

Art. 12º. - Toda vez que for substituido o condutor de qualquer vehiculo, o proprietario deste deverá scientificar á Inspectoria, afim de ser feita a necessária averbação.  

É possível notar, além da diferença de linguagem, como os requisitos eram interessante. Aparecesse a preocupação com as capacidades físicas do cidadão, a idade, o letramento, mas em nenhum momento pede se o candidato sabe dirigir um veículo. Outro ponto, o atestado fornecido pela Intendência, sendo passível de haver jogo político neste quesito, visto que poderiam alegar um mal comportamento de seus opositores. Além da caderneta, os motoristas deveriam seguir outras regras, como:

  • Deveriam dirigir pelo lado direito das estradas, dando início à contramão.
  • Era proibido trazer junto aos veículos, animais desferrados, magros, feridos ou mal cuidados. Também não poderão ser animais xucros ou não acostumados com a tração.
  • Apresentar veículo limpo.
  • Apresentar-se devidamente vestido e calçado.
  • Não parar no meio dos cruzamentos ou impedir o tráfego de outros veículos.
  • Não alimentarem animais em ruas ou praças.
  • Estacionar nos devidos locais sinalizados.
  • As multas poderiam sim ser recorridas, através de uma petição à Intendência, podendo ser perdoado ou diminuído o valor das mesmas.

Carteira de Habilitação

Fonte: Museu de Venâncio Aires

 

A evolução do trânsito em Venâncio Aires revela muito mais do que a simples mudança dos meios de transporte: mostra a transformação de uma sociedade inteira, que saiu do ritmo lento dos animais de tração e das carroças para o dinamismo dos automóveis. Desde as primeiras posturas municipais, que regulavam como atar cavalos ou estacionar carroças, até o surgimento da caderneta de habilitação, nota-se a constante preocupação em organizar a circulação, garantir a segurança e preservar a convivência entre os cidadãos. Se hoje nos parece natural ter semáforos, placas de sinalização e leis de trânsito, é importante lembrar que esse processo começou de forma simples e até curiosa, mas já demonstrava a necessidade de ordem e responsabilidade no uso das vias. Assim, o trânsito venâncio-airense, que nasceu nas estradas de chão batido, reflete a própria história da cidade: um percurso de adaptação, modernização e progresso, sempre guiado pela busca do bem-estar coletivo.

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